Pachamama ou Mãe Terra é a divindade máxima das regiões andinas da Bolívia, Peru, norte do Chile e noroeste da Argentina
por Kristiano Puma Aguilar e Astreia Mendizabal
No dia 1º de Agosto, em grande parte da América Latina, os povos se levantam e reverenciam a Vida em toda a sua beleza e harmonia, reconhecendo a Mãe Terra, Pachamama, como origem e fim de tudo o que existe. Essa compreensão ancestral abre espaço para uma resposta à crise climática e humanitária que ameaça a tudo e todos, movendo o vínculo de amor e ativismo pelo planeta.
Este é o Dia da Pachamama, quando abrimos as atenções e corações para agradecer a Ela através de um pago, uma oferenda andina que pede as bênçãos da Mãe da Vida. Este ato extrapola a dimensão religiosa, pois vem no contexto de violência e exploração contra os ecossistemas e os seres de toda natureza e de rompimento com os direitos humanos. Ganha corpo como um levante pela consciência de cuidado com o planeta e os seres, se impondo como um ato político, revolucionário, insurgente e de proposta de uma saída real, que pode ser posta em prática desde já, bastando que para isso despertemos.
As sociedades do mundo, imersas numa liturgia que orbita em torno da economia e suas necessidades infinitas de crescimento, e o sistema de geração de riquezas sustentado pela exploração da classe trabalhadora e esgotamento dos chamados “recursos naturais”, mascaram mas não logram esconder o rosto cruel e insensível do nosso modo de produção capitalista.
O capitalismo se mantém pela inconsciência de boa parte de nós, participantes e, em diferentes medidas, cúmplices de uma injustiça que já atingiu o ponto de não-retorno. Isto é, se faz imprescindível alimentarmos no seio dos corações e das mentes esta percepção antiga e tão clara, evidente, de que partilhamos o mesmo destino de toda a vida. Sem equilíbrio ambiental, sem respeito à vida, sem justiça social, não haverá um futuro para a raça humana.
O planeta não consegue mais nos sustentar e a reconexão profunda com este ser generoso e feminino que tudo nos dá, tudo provê, nos é imposta pela situação insustentável em que nos colocamos.
Espiritualidade comprometida com o social
Nesse intuito, o movimento Nación Pachamama, através da sua Escola Mística Andina preparou uma programação presencial e online de celebrações do dia de Pachamama, para contribuir, humilde mas bravamente, para a tomada de consciência de todos os filhos e filhas da Vida para a nossa responsabilidade diante de nossa Mãe.
Para além das práticas devocionais essenciais no despertar de uma relação afetiva que reavive nossa identidade como filhos desta terra, a Nación Pachamama também realiza outras ações diretas que impactam no cotidiano, através das suas Comunidades Espirituais Campesinas e da Prática dos 21 dias. Ações que abrem a percepção comunitária de amor à vida e desintoxicam os excessos individualistas que carregamos, compreendendo que nos dias que vivemos já não é mais possível conceber uma espiritualidade descomprometida com os desafios sociais e ambientais que nos circundam e afetam a todos. Através da ONG Pachamama, associação sediada em Pelotas com abrangência nacional e internacional, por exemplo, realizamos enfrentamento aos impactos da covid-19 sobre populações vulneráveis; damos apoio para a autogestão e fortalecimento do povo indígena Qeros nos andes peruanos e promovemos atividades como o Ponto de Cultura RS.
Também participamos em políticas públicas de defesa de Pachamama, sendo o caso mais recente o da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, com a proposta de uma Ação Civil Pública para o reconhecimento da lagoa como sujeito de direitos, em parceria com o Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco (GPDA/UFSC) e demais associações.
Para se somar a este levante dos povos da terra em defesa de Pachamama, basta que abramos nosso coração para sentir esse suave toque que surge quando estamos receptivos a ouvir o clamor da Mãe Terra, para ser ouvida, cuidada, amada.
Astreia Mendizabal é maestra do movimento Mística Andina e ativista da Nación Pachamama, compondo atualmente o conselho gestor da Lagoa da Conceição em Florianópolis.
Kristiano Puma Aguilar é kuraca do Ayllu Mística Andina e vice-presidente da ONG Pachamama. Atua como ativista em diversas frentes de defesa da vida e despertar para a consciência Pachamama.
* Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko